O cinema está cheio de histórias de amor de todo tipo. Dos amores felizes aos trágicos, talvez o que mais reverbere esteja nos romances de incompletude. A magia de Lost in translation, por exemplo, está no mistério sobre o que aqueles dois se dizem no final. A inspiração da trilogia Before foi uma moça que Linklater conheceu na juventude e nunca mais reencontrou; após lançar o primeiro filme, soube que ela faleceu em um acidente. Se fossem perfeitas todas as histórias de amor, não investiríamos tempo fazendo arte, no máximo apreciando-a. O "e se" e "o que não foi" também são o alimento da arte.
As lembranças e tudo que não aconteceu: assim é In the mood for love. Na Hong Kong dos anos 60, O Sr. Chow mudou-se com a esposa para um apartamento e, logo ao lado, também mudaram-se, no mesmo dia, a Sra. Chan e seu marido. Apesar das tímidas trocas de olhares, o Sr. Chow e a Sra. Chan se aproximam consideravelmente quando descobrem que seus respectivos parceiros têm um caso. É frequente que o marido da Sra. Chan viaje para fora do país, o que coincide com a esposa do Sr. Chow visitando a família. Enquanto os amantes traem, um novo casal se forma. Este é um filme para ser assistido com todos os sentidos: ouvidos atentos e olhos bem abertos, pois toda a delicadeza e complexidade de afetos moram nos detalhes. Os protagonistas enfrentam uma solidão palpável e ao mesmo tempo fácil de escapar pelas mãos. Nós nunca vemos os rostos da esposa do Sr. Chow e do marido da Sra. Chan, mas ouvimos suas vozes, vemos eles de costas. Como não é uma história sobre eles, mas que começa a partir da consequência de seus atos, não precisamos deles e isso foi muito bem pensado no filme; junto com a saturação das cores (excesso de vermelho e amarelo) e a trilha sonora de músicas em espanhol, lamentos amorosos e foco na saudade (é uma seleção de músicas até independente do filme, mas que vai tocar bem fundo em qualquer pessoa que já tenha vivido um amor intenso). O Sr. Chow e a Sra. Chan fazem o possível para manter seus encontros, apesar da vizinhança observadora e intrometida, trazendo momentos de humor para o que é mais drama do que romance. Eles sonham com a fuga, mas ensaiam como deixar seus cônjuges, o que nunca chega a acontecer. A câmera é, o tempo todo, muito bem posicionada: estamos assistindo o pecado alheio, através de frestas, do buraco da fechadura. O final, para um, é seguir em frente. Para o outro, é contemplar as ruínas. Para nós, o que resta? Aceitar que essa é uma das mais belas e originais histórias de amor do cinema.
A metáfora do que poderia ter sido: Em Past lives, Nora e Hae Sung são amigos de infância na Coréia, mas se separam quando Nora muda-se com a família para o Canadá. Filha de roteirista, Nora é ambiciosa desde cedo e planeja ganhar o Nobel de literatura. Para Hae Sung, resta a saudade. Doze anos depois, fazendo uma busca pela internet, Nora descobre que Hae Sung tentou contato com ela, que retribui e os dois começam uma espécie de webnamoro. Mas Hae Sung não está disposto a abandonar seus estudos em engenharia no Oriente. E Nora, agora morando em Nova York, começa a se destacar na dramaturgia. É quando ela propõe “um tempo”. Em um ano, eles devem voltar a conversar e decidir o que fazer. Porém, nesse intervalo, Nora conhece o futuro marido em uma residência literária e Hae Sung começa a namorar. Mais doze anos se passam, Hae Sung está solteiro. Tenta contato novamente com Nora, pois passará as férias em Nova York e pede para encontrá-la. Existe uma metáfora que é o fio condutor da narrativa de Past lives: trata-se de um conceito da cultura coreana em que duas pessoas com uma conexão forte estão ligadas através de vidas passadas. E todo o peso do reencontro entre os protagonistas passa pelo “e se?”. Mas Past lives, por incrível que pareça, não é um romance clichê, água com açúcar, nem mesmo é uma comédia romântica, chega nem perto de ser um dorama. Ao contrário de Hae Sung, que ainda vive o sonho da lembrança de sua melhor amiga e primeiro amor, Nora é mais pé no chão e valoriza a vida que construiu como imigrante. Essa não é uma história de amor em que alguém vai abandonar o companheiro para viver uma tórrida paixão mal resolvida. E é por isso que qualquer pessoa consegue se colocar no lugar dos protagonistas de Past lives. Se não for a história da sua vida, com certeza é a dos seus vizinhos, a de um colega de trabalho. É mais comum do que pensamos.
No fim das contas, nem é exatamente viver um grande amor o que todo mundo quer, mas sim viver a grande compreensão mútua. A cumplicidade, a confiança que poucas relações experimentam. Tanto In the mood for love quanto Past lives conversam sobre isso, as variações do mesmo tema; apenas diferentes formas de contar que duas pessoas se encontraram, se leram, se entenderam, se despediram e seguiram adiante.