I Origins é o filme que marca a segunda parceria entre o diretor Mike Cahill e a roteirista e atriz Brit Marling (bastante conhecida pela série The. O. A., na Netflix). Aqui, Cahill também dirige, porém Marling fica como atriz coadjuvante dessa história de amor que desafia a ciência. Para ler sobre o filme anterior desses dois, clique aqui.
I Origins é inicialmente narrado por seu protagonista, Dr. Ian Gray (Michael Pitt), obcecado pela íris ocular. Foi seu campo de especialização e trabalho em uma universidade norte-americana. Estamos olhando para um Dr. Ian consagrado e mais velho que, desde criança, coleciona fotos dos olhos das pessoas. Começou com parentes e amigos, até que aperfeiçoou sua câmera e se arriscou em pedir para fotografar qualquer par de olhos que lhe parecesse interessante. E dessa forma conheceu Sofi (Astrid Bergès-Frisbey), numa festa de halloween, aos 26 anos. Sofi usava uma máscara feita de meia-calça, deixando apenas seus olhos descobertos, revelando uma heterocromia central. Ela impressionou Ian, levou-o para o banheiro da balada, mas não terminou o serviço.
Mesmo sem tirar Sofi da cabeça, personificando nela sua nova obsessão, Ian precisava retomar suas atividades na universidade, onde liderava uma ousada pesquisa, cujo objetivo era provar que o olho humano é fruto da evolução natural e não de um ser divino - ou seja, Deus. Ian se vê mais próximo de criar um olho do absoluto zero ao conhecer sua nova estagiária e parceira de laboratório, Karen (Brit Marling) que, apesar de não ser tão ambiciosa quanto ele, tem muita perspicácia e perseverança.
Ian é um homem que pensa de forma analítica e 100% científica. Em sua vida, não há espaço para misticismos, pois isso é o que tenta combater. Porém, uma série de coincidências faz com que reencontre Sofi, não sem antes procurá-la. Ian foi até a cafeteria favorita de Sofi e não a encontrou. Pela internet, descobriu que ela era modelo e fez campanha para uma marca de cosméticos em que justo seus olhos eram o destaque. Quando pega o trem, sem a menor esperança de revê-la, ela estava lá.
Mesmo curioso em recolher dados de Sofi, Ian não faz as perguntas certas. Ao invés de responder sobre o que faz da vida, onde nasceu e quem são seus pais, Sofi guia Ian para perguntas como “quais suas flores favoritas?”, ao que ela responde: “dentes de leão. Porque são livres, selvagens e você não pode comprá-las”. São perguntas quase inéditas e originais para a primeira conversa que você tem com alguém e isso ajuda na intimidade que vai se formando entre o casal. Não é difícil que, em tão pouco tempo, Sofi convide Ian para morar com ela, e Ian peça Sofi em casamento.
Esse é um casal que funciona muito bem, apesar das diferenças. É seguro dizer que Sofi é o oposto de Ian: ela tem sua espiritualidade, decoração de olho grego em casa, e a crença em reencarnações. Ela diz que Ian tem dificuldade em desapegar, mas também não deve se preocupar, porque eles se encontrarão novamente. Ian reage sem entrar em conflito, mas responde com ciência ou apenas desvia para outro assunto.
E, então, de forma inesperada, Sofi morre nos braços de Ian.
Oito anos depois, Ian está casado com Karen e eles esperam o primeiro filho. Dr. Ian tornou-se um cientista famoso, do tipo que publica livros e aparece em entrevistas de programas na televisão. A identificação de pessoas através da íris, já implementada quando Ian era apenas um estudante, porém aperfeiçoada com o avanço de suas pesquisas, corre o mundo todo. A criança nasce e, já na maternidade, sua íris é fotografada. Às vezes, ocorrem erros. Como quando Ian e Karen registram seu filho e a íris do bebê aparece como a de outra pessoa. Mas basta reiniciar o sistema para um novo registro.
E essa aparente falha no sistema é o que levará Ian a uma busca inimaginável por uma criança de oito anos que, aparentemente, tem a mesma íris de Sofi. Essa criança é uma menina que vive na Índia, perdeu os pais e já não frequenta o centro comunitário no qual vinha sendo acolhida. Um milhão de pessoas vivem na pequena região em que ela foi vista pela última vez. Como encontrá-la? E como provar que a garota é a reencarnação de Sofi, que os olhos são as janelas da alma?
Posso considerar I Origins um filme inferior se comparado ao seu antecessor, A outra Terra. No entanto, seu debate entre ciência e espiritualidade é um dos emblemas da narrativa, que consegue cativar quem assiste por ser abordado de forma muito autêntica, mesmo que não aprofunde tanto. Ter fé em algo não depende de religião, conforme Ian aprende e chega a declarar: “religião é baseada em escrituras feitas por homens há milhares de anos. Essas crenças não podem ser mudadas ou desafiadas, elas são fixas. Na ciência, grandes pensadores escreveram coisas há muito tempo atrás, mas toda geração melhora o que já foi realizado. As palavras não são sagradas. Einstein foi um homem brilhante, mas não é nosso deus. Ele foi apenas um passo para a evolução do conhecimento, mas nós sempre damos passos à frente”. Para, em seguida, ser confrontado com a pergunta: “o que você faria se as suas crenças científicas fossem refutadas pelo espiritual?”, e essa é a grande questão que o filme tenta solucionar.
I Origins, além de ser o filme que me fez olhar para Michael Pitt com mais atenção e carinho, também me trouxe um presente para a vida, que está em sua trilha sonora: quando Ian reencontra Sofi no trem, coloca nela os fones de ouvido com a música que tocava naquela festa de halloween onde se conheceram, e essa música é Dust it off, do duo francês The Dø. A banda não existe mais, infelizmente, mas você pode ouvir suas canções no Spotify, embora eu recomende muito mais o YouTube, pois The Dø tinha a “regra” de fazer apresentações realmente únicas de uma mesma música e isso é lindo, pois nenhum registro se assemelha ao anterior.
Já I Origins, até o momento dessa publicação, está indisponível em qualquer streaming.