Durante muitos anos, tive um filme favorito. Ele passava sempre na Temperatura máxima e, porque eu era criança, me parecia um filme completo: tinha ação, aventura, romance, certo drama, alívio cômico e até reviravolta.
Com o tempo, quanto mais eu conhecia cinema, esse filme entrou naquela categoria de “conforto”: algo que você assiste por nostalgia, para passar o tempo, enquanto arruma o guarda-roupa ou durante alguma madrugada insone.
Invariavelmente, a minha madrugada com garantia de insônia é o ano-novo. São os fogos de artifício impedindo meu sono, é claro, mas não apenas. É quando também tenho uma estranha vontade de assistir musicais. Dedico um ano a Moulin Rouge, que é o único Baz Luhrmann de que gosto; ou a Funny face, por causa da Audrey Hepburn e do Fred Astaire; ou assisto Across the universe, porque se trata de uma linda história de amor inspirada pelos Beatles. Esse ano fiz diferente: eu queria as minhas músicas de flashback, mas fui atrás dos shows One night only, dos Bee Gees; e o Cuba! do Simply red. E terminei a noite lembrando que existe um filme em que o ano-novo tem participação especial e essencial: Armadilha.
Armadilha foi, por demais, um produto de seu tempo. Não houve momento melhor para essa história ser contada do que o bug do milênio que, mais do que um ponto histórico do filme, era quase o cenário do enredo. Lançado em 1999, é nesse ano que a história se passa.
Virginia Baker, ou simplesmente Gin (Catherine Zeta-Jones no auge da beleza), trabalha como investigadora em uma corretora de seguros e ela vê Robert “Mac” MacDougal (Sean Connery, também no auge da beleza) em metade dos roubos de obras de arte que acontecem no mundo. Quando um Rembrandt desaparece de um escritório em um prédio de alta segurança, Gin tem certeza de que Mac é o responsável. Então, ela conversa com seu chefe, ex-agente do FBI, solicitando permissão para ir atrás de Mac. O problema é que dois homens do próprio FBI fizeram isso antes e não voltaram. “Justamente, você mandou dois homens”, responde Gin.
Nesse ponto, a escolha da atriz não foi por acaso. Zeta-Jones era uma jovem e linda mulher de exatos 30 anos na época do filme. E, quando finalmente alcança Mac, um Sean Connery de 69 anos, está em seu castelo de obras de arte roubadas e recebe algumas regras. Uma delas, a principal, é que não deve existir relacionamento pessoal entre ladrões. Mac deixa claro que não se deixa manipular e seduzir por uma moça bonita.
Sim, para se aproximar de Mac, Gin lhe assegura ser uma ladra e precisa dele para realizar um trabalho: o roubo de um artefato chinês. Ela tem os códigos de segurança necessários, mas não o treinamento e o mapa do local do roubo. Gin e Mac se tornam parceiros, porém Mac desconfia que Gin “joga dos dois lados” e, quando confrontada, ela responde que há um trabalho muito maior e que estar numa corretora de seguros é outra fachada para o maior crime que ela deseja cometer.
E então chegamos no ano-novo. Na verdade, ainda faltam dois dias para o bug do milênio. A virada de 1999 para o ano 2000 também foi uma virada tecnológica e, saindo um pouco do filme, me lembro dessa época: pessoas acreditavam que seria o fim do mundo (Armadilha chega a mostrar um crente na rua espalhando essa palavra) e surgiu o “problema do ano 2000” - uma espécie de medo coletivo de que os computadores não conseguiriam entender a virada do ano de 1999 para 2000 e que isso causaria uma pane absoluta e generalizada em sistemas do mundo todo, como por exemplo… bancos. Muitos programas de computador representavam números somente com os dois últimos dígitos, tornando o ano 2000 indistinguível de 1900. Empresas e governos correram para atualizar seus sistemas e o bug do milênio jamais se concretizou, mas esse pânico serviu para modernizar infraestruturas. Por isso Armadilha acaba sendo um filme “datado”, ou pelo menos muito específico de sua época.
A dois dias do novo milênio, Gin planeja roubar o que era, até então, o maior prédio do mundo, em Kuala Lumpur, na Malásia. Lá, está a sede de um banco com filiais nas principais metrópoles do mundo. Mas Gin é humilde: ela quer somente os 8 bilhões de dólares de todo o sudeste asiático. Mac lhe garante que é impossível em tão pouco tempo; é um planejamento que exige, no mínimo, três semanas. Gin deixa claro: “ou é agora, no bug do milênio, ou nunca acontecerá”.
Pois, mais do que roubar 8 bilhões de dólares, Gin e Mac precisam roubar 10 segundos do tempo dos relógios do sistema de segurança das principais filiais desse banco para baixar o conteúdo do roubo - e isso só pode acontecer nessa data. Enquanto o mundo faz a contagem regressiva rumo aos anos 2000, Gin e Mac se tornam bilionários em questão de segundos.
Mas os riscos eram tantos que, obviamente, nem tudo sai conforme o plano. E o momento do sacrifício chega, quando Mac apresenta para Gin um “plano C” diante do perigo. Um plano que envolve salvá-la, enquanto ele supostamente se entrega.
O final de Armadilha traz uma reviravolta interessante que nos leva aos primeiros momentos do filme: quando Mac diz para Gin que “armadilha é o que a polícia faz com os ladrões” e que ele mesmo, a parte mais experiente, se vê surpreendido e preparado para tudo, exceto para ela, sua parceira de crime.
Quando Sean Connery faleceu, em 2020, falei sobre esse filme e sobre como, com ele, todo um modo de fazer cinema e escolher galãs foi embora junto. Não há homens como Sean Connery nessa indústria, nenhum que chegue perto; não só em nível de atuação, mas também de beleza, algo muito acima do charme. Ele foi minha primeira e única paixão do cinema. Por causa dele, maratonei 007 e até hoje adoro A liga extraordinária, um filme de herói que ninguém gosta. Ver um filme com Sean Connery é um evento. Ele faz o filme acontecer e houve química entre o rabugento e experiente Mac e a aprendiz e sedutora Gin. Outro destaque é a presença de Ving Rhames no papel de Thibadeaux - ele começa o filme apenas como um entregador de equipamentos para Mac, ali no meio da história você não sabe muito bem quem ele é e, no final, protagoniza a reviravolta. Você também pode encontrar Rhames na franquia Missão impossível, em papel até semelhante. Quanto a Catherine: Zeta-Jones.
Armadilha é um filme dirigido por Jon Amiel e ótima escolha para você começar 2025. Está disponível no Disney Plus.
Em 2029, quando o filme fizer 30 anos, provavelmente voltarei aqui para falar dele de novo.
Eu assisti Armadilha várias vezes com meus pais quando era criança (eu tinha uns 10 anos na primeira vez). Você desbloqueou muitas memórias aqui. Tem anos que não assisto! Lembro demais da química entre os dois, o Sean Connery com um jeito de falar que derretia a gente...
Adoro